Caros,
leitores: todas as entrevistas abaixo foram realizadas no ano
de 2012, pelo autor Lohan Lage, durante o período do II Concurso de Poesia
Autores S/A. Os entrevistados contribuíram gentilmente com seus pareceres neste
certame poético.
Julián Fuks: Como responder a uma pergunta dessas sem apelar
a uma platitude qualquer? O poema tem que conciliar a razão precisa de sua exis
Lohan: Pra finalizar, lhe farei uma pergunta calcada
numa frase dita por você na entrevista concedida a Luís Antônio Cajazeira.
Achei essa provocação bastante válida para aqueles que aspiram ingressar no
mundo (real) d
Lohan: Marina, você disse, em uma mesa redonda da FLIP do ano de 2005, que “as pessoas reverenciavam Clarice Lispector, todavia, não a amparavam”. Clarice se queixava dessa situação, demonstrando ser uma pessoa carente? A seu modo de ver, como Clarice lidava com a fama inexorável e com a subsequente pressão que lhe imputavam por ser um nome célebre e não se envolver diretamente contra as mazelas sociais e opressões que existiam no Brasil?
Lohan: Você já abordou temáticas de cunho feminista em suas obras. Vale salientar, aqui, que Clarice Lispector também mergulhava na aura feminina angustiada, vide Laura em “A imitação da rosa” e Ana, no conto “Amor”, como exemplos clássicos. O que te motiva a ter esse posicionamento em favor das causas femininas? Você acredita que o papel da mulher como escritora, hoje, está consolidado no cenário literário brasileiro?
Lohan: Sem mais delongas, Marina, o que um poeta tem de ter/ser, na sua concepção, para ser bem sucedido nesta área literária? O que seria imprescindível na feitura de um poema: algum detalhe técnico, alguma expressão de caráter subjetivo, alguma contextualização...? Deixe seu nobre conselho a todos os poetas, por favor.
Marina: Ser bom poeta não significa automaticamente ser bem sucedido na área literária. Há sucessos que não correspondem à estatura do poeta, e vice versa. Ao sucesso está ligado, sim, à qualidade, mas depende também de circunstâncias, gerações, grupos, e, grandemente, política literária. Não tenho nenhum detalhe técnico para oferecer, nem é o meu papel. Que os aspirantes a poetas leiam “Cartas a um jovem poeta”, do Rilke, “O ABC da literatura”, do Pound, e “A sedução da palavra”, de Affonso Romano de Sant’Anna.
Entrevista
com: Francis Ivanovich
Francis Ivanovich, 49
anos, é ator, escritor, jornalista, dramaturgo, roteirista e diretor de teatro
e cinema. Autor entre outros do romance “O Contador de Mentiras, 2010 - Editora
Multifoco – Selo Desfecho - RJ”, e de mais de 30 peças teatrais para adultos,
jovens e crianças, entre elas: “A História do Homem que Ouve Mozart e da Moça
do Lado que Escuta o Homem” selecionada pelas mostras oficiais 2011 dos
Festivais de Curitiba e Porto Alegre”; “Andersen Lobato” peça infantil premiada
em festivais de teatro em Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro; Fundou
e dirige a Cia Teatral Ensinoemcena, uma das mais atuantes junto aos jovens com
espetáculos educativos como “Mãe, eu vou ser Mãe” premiado pelo SESC Rio de
Janeiro; “Profissão Poesia”, peça assistida por mais de 400 mil adolescentes
nas escolas do Rio de Janeiro; “Bullying, Tô fora”, peça teatral adotada pelas
principais escolas privadas do Rio e São Paulo em 2011, e “Viva!”, prevenção do
uso de drogas. O autor prepara novas publicações e é um dos idealizadores do
primeiro encontro de Autores teatrais latino-americanos: LATA. Estudou cinema
na Escola de Cinema Darcy Ribeiro; realizou os filmes curtas “A Deus
Paissandu”; “O Morcego”, “Café a Dois?”, entre outros; roterizou série sobre
educação para a TV escola MEC.
Lohan:
Olá,
Francis! É um prazer tê-lo como jurado neste concurso. Você é escritor e
roteirista. Quais as maiores diferenças que existem na elaboração de um livro e
de um roteiro? Quando você escreve um livro, ou um conto, você o imagina se tornando
um roteiro no futuro?
Francis:
Profundas. No livro você escreve só, inteiramente só; no roteiro você conta com
uma equipe de colaboradores, além do que, nos processos de filmagem e montagem
o roteiro original pode sofrer mudanças; no livro original, é praticamente
intocável, além de serem técnicas completamente opostas, no romance, há de se
valorizar o estilo da narrativa, no roteiro, a força da imagem. Nunca imagino o
que vai acontecer com texto depois de pronto.
Lohan:
Francis, o que um poema deve ter, na sua concepção, para receber a sua nota 10?
Francis: Surpresa, imagem inusitada, algo revelado, a poesia em si.
Francis: Surpresa, imagem inusitada, algo revelado, a poesia em si.
Lohan:
Se um dia você tiver a oportunidade de adaptar um roteiro para um
longa-metragem, de um poema, qual poema você escolheria e por quê?
Francis:
“Tabacaria”, de Fernando Pessoa; simplesmente é a história de um gênio.
Entrevista
com: Thelma Guedes
Thelma Guedes é mestre
em Literatura pela Universidade de São Paulo. Autora dos livros “Cidadela
Ardente” (contos, Ateliê, 1997); “Pagu: Literatura e Revolução” (ensaio,
Ateliê/Nankin, 2003); “Atrás do Osso” (poemas, ProAC/Nankin, 2007); “O Outro
Escritor” (contos, ProAC/Nankin, 2009). Autora da Rede Globo, desde 1997,
trabalhou nos programas “Turma do Didi”, “Sítio do Picapau Amarelo”; e
colaborou nas novelas “Vila Madalena” (1999/2000, de Walter Negrão);
“Esperança” (2002/2003, de Benedito Ruy Barbosa, na fase escrita por Walcyr
Carrasco); “Chocolate com Pimenta” (2003/2004) e “Alma Gêmea”(2005/2006), as
duas últimas de Walcyr Carrasco. Ao lado de Duca Rachid, é autora das novelas
“O Profeta” (2006/2007), “Cama de Gato” (2009/2010), e “Cordel Encantado”
(2011).
Lohan:
Olá, Thelma! É um prazer imenso recebê-la no Autores S/A. Você que, ao lado de
sua fiel parceira Duca Rachid, tem despontado como uma das maiores promessas da
teledramaturgia brasileira. Sua ingressão neste mundo se deu por acaso, segundo
você relatou na recente entrevista à SuperCult. Você se inscreveu com um único
roteiro numa Oficina de Roteiros da TV Globo e foi aprovada. Conte para nós
qual era a história desse roteiro que te abriu as portas para esta carreira.
Thelma:
Para se inscrever na oficina da Globo que eu fiz, cada candidato deveria mandar
um roteiro de quinze páginas, inspirado na parábola bíblica do filho pródigo.
Escrevi um roteiro clássico, de folhetim, em que um fazendeiro tinha dois filhos.
O mais jovem ia embora da fazenda, para conquistar novos horizontes na cidade
grande. Além do pai, do irmão, ele deixava um grande amor. Quando voltava, ele
estava doente, sem dinheiro. E encontrava a mulher que amava casada com o irmão
mais velho que tinha ficado cuidando dos negócios do pai. Sinceramente, nem me
lembro como terminava, mas tinha cara de novelão. Enquanto escrevia só pensava
em Janete Clair. Mas este roteiro só foi mesmo para me inscrever. Fui chamada
para testes, entrevista. Depois tive que passar por uma oficina de três meses.
Dos setecentos inscritos, 12 foram selecionados para passar pela oficina.
Depois do primeiro mês, eles deixaram apenas seis cursando a nova etapa de dois
meses. Durante este tempo escrevi um roteiro adaptado de um conto de uma
escritora portuguesa. Foi um super aprendizado estudar minuciosamente o conto,
desconstruí-lo para escrever um roteiro de um especial. No final da oficina
eles escolheram três roteiristas para contratar. Eu nem acreditei quando soube
quer era um desses escolhidos!
Lohan:
Thelma, você também tem 4 livros publicados e, entre eles, um livro de poemas
(“Atrás do Osso”, 2007). Ainda hoje, apesar do intenso trabalho com os roteiros
televisivos, você produz e/ou lê poesia nos tempos vagos? Em tempo: qual o seu
livro de cabeceira?
Thelma:
Claro que sim. Adoro literatura. Adoro poesia. Sempre leio e escrevo contos e
poemas! Minha cabeceira está sempre cheia de livros. Por muito tempo, meu livro
de cabeceira foi “Laços de Família” ou algum outro livro da Clarice Lispector.
Ultimamente, tenho lido autores contemporâneos. Acabei de ler um livro do
Philip Roth e neste momento estou terminando o livro maravilhoso do Georges
Bourdoukan: “Capitão Mouro”. Mas tem muitos na fila, no meu criado-mudo. Para o
nosso próximo trabalho na TV, tenho lido livros de História, focando o período
das décadas de 30 e 40. E também sobre o Budismo. A leitura de poesia eu uso
como uma espécie de colírio, para limpar a vista, alma. A poesia limpa, abre a
cabeça e o coração para novos pontos de vista do mundo. Adoro voltar à poesia
de Orides Fontela, por exemplo. Manoel de Barros também é um dos meus preferidos.
Fernando Pessoa também reserva grandes surpresas nas releituras que faço de
seus poemas.
Lohan:
Hoje em dia, segundo estatísticas, se vende muito livro e, paradoxalmente,
ainda se lê pouco. Como você enxerga o cenário atual do leitor no Brasil? Você
acredita que a inserção da literariedade na teledramaturgia brasileira (vide “Cordel
Encantado”) seja uma isca eficaz para “pescar” o telespectador e conduzi-lo
para o mundo da leitura? Ao formular histórias como ''Cordel Encantado'', há
essa intencionalidade para com o público?
Thelma:
Parece que as pessoas estão lendo menos mesmo. É uma pena, não é? O hábito da
leitura é algo que tem que ser cultivado cedo. Acho que faltam campanhas fortes
incentivando este hábito no Brasil. A leitura é tão importante, mas parece que
a questão do livro é vista apenas no âmbito comercial, de mercado... Acho que
as obras audiovisuais com grande alcance, como a telenovela, que atinge o
grande público podem e devem sim colaborar neste sentido, de divulgar a
literatura e incentivar a leitura. A TV pode fazer parte disso, mesmo sendo
fundamental, não acho que seu papel seja determinante. O leitor não se forma
por meio da televisão. Este trabalho tem que ser feito na base, sobretudo por
meio de uma educação consistente, na escola, e por meio de grandes campanhas. A
leitura tem que fazer parte da vida, do dia-a-dia desde a infância. Acho muito
bom que muitos jovens adoraram as referências literárias de “Cordel Encantado”.
Mas elas não foram usadas com este intuito específico. Duca e eu quisemos
escrever um trabalho de qualidade. E fizemos uso das nossas referências.
Lohan:
Nesta etapa do concurso estamos falando de cinema, essa arte tão magnífica.
Qual é o filme mais marcante da sua vida, Thelma? E por quê?
Thelma:
São tantos os filmes da minha vida, que é difícil escolher só um. “Hiroshima,
mon amour” é um dos filmes que mais me marcou. Adoro todos os filmes do
Kieslovsky. Sobretudo o filme “Não Amarás”. Amo “Blade Runner”. O último filme
que me impactou foi “Melancolia”. São todos filmes que tratam de amor, da
fragilidade e do desamparo humano.
Lohan:
Se um dia surgisse para você a proposta de adaptar uma única obra literária
para a televisão, qual obra você escolheria e por quê? Essa vontade já existe,
ou já foi discutida, por parte de vocês (você e a Duca)?
Thelma:
Esta pergunta eu preferia não responder. Se eu falar, de repente, alguém tem a
ideia e adapta antes que eu tenha a oportunidade de fazê-lo!
Entrevista
coletiva com: André de Leones, Ana Elisa Ribeiro, Julián Fuks, Luísa Geisler e
Victor Paes.
Lohan:
Olá, caros escritores. É um prazer imenso recebê-los no Autores S/A. Digam:
qual é a sensação por estarem solidificando a carreira literária de vocês? O
que foi fundamental para vocês em vossos primeiros passos como escritores
perante a crítica e os leitores, em geral, e que vocês podem deixar como
conselho aos poetas dessa competição?
André
de Leones: O mais importante é ler, estudar muito. Sugiro,
também, que fiquem atentos a prêmios e concursos. Com meu primeiro romance,
'Hoje está um dia morto', venci o Prêmio Sesc de Literatura 2005. Com isso,
tive o livro publicado por uma grande editora (Record) e dei meus primeiros passos
no meio literário.
Ana
Elisa Ribeiro: A sensação é a de trabalhar muito.
Nunca deixar de escrever e publicar. É isso o que solidifica uma carreira
(qualquer, acho, aliás), embora muitos fatores externos possam contribuir para
o sucesso (ou o insucesso). Acho que é preciso se levar um pouco a sério, mas
só um pouco, pra não ficar pretensioso e até pedante. Escrever muito e se reler
(e ser lido e relido pelos pares) é, penso, o jeito de melhorar e merecer.
Victor
Paes: É um prazer participar. Bem, solidificar uma
carreira literária hoje é uma ideia tão cômica quanto assustadora para alguém
que esteja se propondo a isso. E pelo mesmo motivo: por estar acreditando que
esteja acontecendo. Brincadeiras à parte, acho que tudo é resultado, como em
qualquer profissão, de duas coisas: trabalho e sorte. Trabalho em primeiro
lugar, claro, pois é só com ele que a sorte se torna digna. A sorte sozinha só
gera fugacidade. Mas, claro, é fundamental. E trabalho, em literatura, não me
canso de dizer isso, é basicamente leitura. E escrever muito. Mais até
reescrever que escrever.
Luisa
Geisler: A sensação é muito gratificante, pode ter certeza.
Mas ao mesmo tempo, é cada vez mais a certeza de que há muito trabalho a ser
feito. Publicar um ou dois livros, ser elogiado na crítica só significa uma
coisa: ter que manter o nível. Ser escritor, iniciante ou ganhador do Nobel,
nunca vai ser fácil. Em relação ao que foi fundamental: para mim, foi uma
Oficina de criação literária, que fiz com Luiz Antonio de Assis Brasil. Mudou
muito a minha escrita ver o texto como algo a ser trabalhado, revisado,
objetivado etc. A escrita é, como a dança, teatro, música, uma arte que se
melhora através do conhecimento da técnica e da prática. Claro que isso não
quer dizer que todos somos obrigados a fazer oficinas, mas acredito que muita
leitura e muita escrita são essenciais. Cada um tem seu método, no fim das
contas, mas essas duas são bem universais.
Julián
Fuks: Difícil, ao menos no Brasil, sentir de fato que se
está consolidando uma carreira literária. Quando se trata de literatura, o
reconhecimento é sempre incerto, a crítica é rarefeita, os leitores, quase
inexistentes. Se cabe algum conselho, talvez seja para nunca perder de vista a
razão primeira por que se escreve, para além de qualquer vaidade ou qualquer
batalha pela apreciação alheia. Prosa ou poesia nada têm a ver com isso, com
essa disputa acirrada por prestígio: a literatura acontece apenas entre o
escritor e suas palavras, seus livros, suas ideias.
Lohan:
O que um poema, na concepção de vocês, deve ter/ser para receber a nota 10?
Qual é o tipo de poesia que mais te cativa?
André
de Leones: Rigor formal, isto é, o autor deve ter plena
consciência do que quer dizer e de como dizê-lo. A ideia de que o poeta é um
ser "iluminado" e que escreve num momento de "inspiração" é
uma grande besteira. Os melhores poetas são aqueles que trabalham seus textos à
exaustão, lapidando cada verso, escolhendo cada palavra com todo o cuidado.
Creio que João Cabral de Melo Neto e Orides Fontela são ótimos exemplos.
Considero ambos geniais.
Ana
Elisa Ribeiro: Isso é mesmo muito pessoal. Poesia, pra
mim, tem de ter "pega", "fecho", zíper de aço, com encaixe
perfeito, como eu disse certa vez. Não curto muito poesia só imagem, só
gastação de palavras bonitas (ou feias), só esmeril, como não gosto de
guitarrista que só esmerilha e não mostra composição. Curto bem um humor, sabe,
mas é algo pra se ter cuidado na poesia. Poesia curta me cativa, mas uma boa
poesia longa também. Nas duas, é preciso ter inteligência lexical, vamos dizer
assim.
Victor
Paes: Parece fácil dar notas a poemas, mas é difícil.
Antes de tudo, não há tipo melhor de poesia. Sempre penso nisso quando leio um
poema: não há ideia ruim por excelência. Torna-se ruim quando é mal realizada.
Isso acontece quando o poeta não tem muita experiência com a poesia, não
definindo um estilo próprio, ou quando, dentro de seu próprio estilo, sente-se
confortável e não batalha. Claro que sempre há exceções, mas em geral é por aí.
E um poema bem realizado, em qualquer estilo, é o que cativa e que vai cativar
sempre.
Luisa
Geisler: Sou um pouco ligada à forma e sou bastante fã de
poesia concreta. Apesar disso, adoro Schiller também. Para mim, o essencial é
criatividade, pensar fora de padrões impostos, anda mais na poesia.
tência, aquele algo que o poeta tem a
dizer, com uma execução perfeita, minuciosa, eloquente. Tem que ter a medida
exata que a matéria merecer, sem sobra ou escassez. Não que essa perfeição
exista a priori, anterior aos versos; o poema que me cativa é o que me faz
acreditar nessa falsa perfeição externa, na absoluta necessidade de sua existência.
Entrevista
com: Henry Alfred Bugalho
Henry Alfred
Bugalho é curitibano, formado em Filosofia pela UFPR, com ênfase em Estética.
Especialista em Literatura e História. Autor dos romances “O Canto do
Peregrino” (Editora Com-Arte/USP), "O Covil dos Inocentes", "O
Rei dos Judeus", da novela "O Homem Pós-Histórico", e de duas
coletâneas de contos. Editor da Revista
SAMIZDATe fundador da Oficina Editora. Autor do livro best-selling “Guia Nova York para Mãos-de-Vaca”,cidade
na qual morou por 4 anos, e do "Curso de
Introdução à Fotografia do Cala a Boca e Clica!". Após uma
temporada de um ano e meio em Buenos Aires, está baseado, atualmente, na
Itália, com sua esposa Denise e Bia, sua cachorrinha. Site: http://www.henrybugalho.com/
Lohan:
Olá, Henry. É um prazer recebê-lo no Autores S/A! Você é editor de uma famosa
revista virtual, a Samizdat, que preza pelas artes, em geral, sobretudo pela
literatura. A Revista, inclusive, premiará os 4 primeiros colocados com a
publicação de um poema de cada um deles na edição de setembro. Como nasceu esta
iniciativa da Samizdat, caro Henry? E o que você acha sobre a realização de
concursos literários, como este? Você crê que as competições são válidas para o
reconhecimento e para a divulgação dos poetas?
Henry:
A Revista SAMIZDAT foi a terceira etapa de um processo de aperfeiçoamento
literário que se iniciou em 2005, na comunidade virtual "Escritores -
Teoria Literária" e, posteriormente, na oficina literária virtual
"Oficina da E-TL". O grupo inicial de autores da Revista SAMIZDAT era
composto por membros desta oficina literária, mas, com o transcorrer dos meses,
passamos a receber contribuições espontâneas de outros autores que, aos poucos,
também foram incorporados à equipe fixa da revista. Hoje, somos 26 autores
fixos, inúmeros colaboradores externos, quase mil textos publicados no blog e
34 edições da revista digital, tendo recebido centenas de milhares de leitores
nestes anos de publicação. E estamos sempre abertos para novos talentos que
desejem participar das nossas edições digitais. Eu possuo uma relação bastante
conflituosa com concursos literários. Por um lado, acredito que seja uma
maneira para um autor em ascensão adquirir visibilidade, conquistar
credibilidade e leitores. Por outro lado, a maioria dos concursos não possui
transparência, com resultados escusos, com visível apadrinhamento. No final das
contas, cabe ao autor pesquisar a idoneidade dos concursos do qual participa,
para não acabar com a sensação de ter sido passado para trás. Todavia, também
reconheço que todos nós já nos sentimos injustiçados um dia por causa de um
resultado desfavorável num concurso...
Lohan:
Caro Henry, diga-nos: o que, na sua concepção, um poema deve ter/ser para
receber a sua nota 10? O que deve prevalecer em um poema e qual o conselho que
você deixa a todos os 12 poetas dessa competição?
Henry:
A poesia, assim como qualquer outro gênero literário, precisa tocar fundo,
abalar e comover o leitor. E por mais que existam teorias e teorias, e toda
sorte de conjeturas estéticas, a recepção de uma obra de Arte é muito
subjetiva, e também determinada por fatores históricos, sociais, geográficos e,
às vezes, até políticos. O que apraz um chinês pode não ser o que agrade um
brasileiro, e o que era belo na Era Vitoriana talvez não seja tão interessante
hoje. Assim, um poema nota dez para mim, que reverbere em minha mente, talvez
não tenha o mesmo efeito em outra pessoa. E penso que isto é o mais
deslumbrante sobre a Arte e a Literatura, esta capacidade de causar diferentes
sensações, de criar polêmica, de escandalizar, de instaurar estranhamento e de
afetar a cada um de nós de maneiras particulares. Por isto, não acho que um
aspecto deva ter a primazia num poema, excetuando obviamente uma utilização
excepcional e criativa da palavra. Um poema pode ser épico, trágico, lírico, de
vanguarda, mas o que diferenciará um bom poema de um medíocre será, acima de
tudo, a capacidade do poeta de traduzir em palavras preocupações e anseios
íntimos de todos nós seres humanos. Se eu pudesse dar um conselho aos poetas -
ah, quisera eu estar em condições de dar conselhos! -, acredito que qualquer
escritor deveria ser sempre fiel ao que acredita, escrevendo sobre temas o
agradem, num estilo que lhe diga respeito. A meta de qualquer escritor deveria
ser a de escrever livros que ele gostaria de ter lido e que ninguém jamais
ousou escrever até aquele momento. Escrever poesia em nossos tempos é - nesta
época de faroeste digital, quando tudo é permitido e tudo é possível - para os
audaciosos ou para os ingênuos, e a diferenciação ocorrerá justamente ao se
pesar a convicção e o comprometimento, entre aqueles que extraem os versos de
seu sangue, sofrimento e angústias e aqueles que foram tomados pela ilusão da
facilidade do fazer poético. Hoje, qualquer um pode se proclamar escritor, mas,
como desde sempre, são poucos os que podem bater no peito e afirmar, sem
hesitação, que vivem a escrita. Não há evidentemente espaço suficiente nas
galerias da História da Literatura para recordar todos os poetas talentosos e
comprometidos, mas não é só de louros vindouros que nos alimentamos, mas
principalmente da certeza íntima que fizemos o melhor de nossas forças, com a
maior honestidade do nosso labor criativo, num diálogo silencioso e terno com
os nossos leitores invisíveis.
Entrevista
coletiva com: Claudio Willer e Silas Correia Leite
Silas Correia Leite é
educador, jornalista comunitário e conselheiro em Direitos Humanos. Começou a
escrever aos 16 anos no jornal “O Guarani” de Itararé-SP. Fez Direito e
Geografia, é Especialista em Educação (Mackenzie), com extensão universitária
em Literatura na Comunicação (ECA). Autor entre outros de “Porta-Lapsos”,
Poemas, Editora All-Print (SP) e “Campo de Trigo Com Corvos”, Contos, Editora
Design (SC), obra finalista do prêmio Telecom, Portugal 2007, e “O Homem Que
Virou Cerveja”, Crônicas Hilárias de um Poeta Boêmio, livro ganhador do Prêmio
Valdeck Almeida de Jesus, Salvador Bahia, 2009, Giz Editorial, SP. Seu e-book
de sucesso “O Rinoceronte de Clarice”, onze ficções, cada uma com três finais,
um feliz, um de tragédia e um terceiro final politicamente incorreto, por ser
pioneiro, foi destaque na mídia como O Estadão, Jornal da Tarde, Folha de SP,
Diário Popular, Revista Época, Revista Ao Mestre Com Carinho, Revista Kalunga,
Revista da Web, Minha Revista (RJ). e também na rede televisiva, Programa
“Metrópolis”/TV Cultura; Rede Band/Programa“Momento Cultural”; Rede 21-Programa
“Na Berlinda”, Programa “Provocações”, TV Cultura/Antonio Abujamra. Por ser
única no gênero e o primeiro livro interativo da Rede Mundial de Computadores,
foi recomendada como leitura obrigatória na matéria “Linguagem Virtual” no
Mestrado de “Ciência da Linguagem” da Universidade do Sul de SC. Foi tese de
Doutorado na Universidade Federal de Alagoas (“Hipertextualidade, O Livro
Depois do Livro”). Texto acadêmico no link: http://bdtd.ufal.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=197
Claudio Willer (São
Paulo, 1940) é poeta, ensaísta e tradutor. Seus vínculos são com a criação
literária mais rebelde e transgressiva, como aquela representada pelo
surrealismo e geração beat. Publicou Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e
poesia, ensaio (Civilização Brasileira, 2010); Geração Beat (L&PM Pocket,
coleção Encyclopaedia, 2009); Estranhas Experiências, poesia (Lamparina, 2004);
Volta, narrativa (terceira edição em 2004); Lautréamont- Os Cantos de Maldoror,
Poesias e Cartas (Iluminuras, nova edição em 2008) e Uivo e outros poemas de
Allen Ginsberg (L&PM Pocket, nova edição em 2010). Teve publicados, também,
Poemas para leer en voz alta (Andrómeda, Costa Rica, 2007) e ensaios na
coletânea Surrealismo (Perspectiva, 2008). É autor de outros livros de poesia
–Anotações para um Apocalipse, Dias Circulares e Jardins da Provocação – e da
coletânea Escritos de Antonin Artaud, esgotados. Aguarda publicação de A
verdadeira história do século XX, poesia, ed. Demônio Negro. Poemas publicados
em antologias e periódicos literários, no Brasil e outros países. Presidiu por
vários mandatos a UBE, União Brasileira de Escritores. Trabalhou em
administração cultural, inclusive como Coordenador da Formação Cultural na
Secretaria Municipal de Cultura (1993-2001) Doutor em Letras na USP com Um
obscuro encanto: gnose, gnosticismo e a poesia moderna (2008), cursou
pós-doutorado sobre Religiões Estranhas, Hermetismo e Poesia na mesma
universidade, onde ministrou, como professor convidado, um curso de pós-graduação
sobre surrealismo e outro de extensão cultural sobre a geração beat. Coordena
oficinas literárias; ministra cursos e palestras sobre poesia e criação
literária. Prepara um livro sobre surrealismo e uma coletânea de ensaios sobre
misticismo e poesia.
Lohan:
Na concepção de vocês, o que um poema tem que ter/ser para receber uma nota 10?
Qual aparato técnico seria o mais indicado? Ou seria a subjetividade o fator
essencial para um poema bem sucedido?
Claudio
Willer: Valor: originalidade (não preciso ler o que já
sei), ritmo, condensação / síntese. Não sei o que é ‘aparato técnico’. Poema é
tentativa de síntese de subjetividade e objetividade.
Silas
Correia: Poesia é tudo e nada ao mesmo tempo, paradoxalmente
isso mesmo: criar Poesia propriamente dita. Ou, talvez, Poesia é... varreção de
fragmentos e chorumes de subterrâneos mal resolvidos para debaixo do tapete dos
palavrórios... O aparato técnico para mim, perdão, é não ter aparato técnico
nenhum, as vias acadêmicas às vezes tripudiam sobre o inominável e matam a
arte-criação. A subjetividade é, aqui e ali, um lampejo, ou ainda faz desandar
a polenta da arte com lume neutro. Todas as alternativas são apenas
alter-nativas... E existem as ostras. A vida é uma poesia esperando tradução/
(Silas e suas siladas). A Poesia tem que ser levada até o mais extremo, ou não
seria poesia, seria rima, ritmo, metáfora, e eu gosto da santa loucura-lucidez
da poesia, que revisita os bulbos inomináveis das entranhas da angustia, da
solidão, da tristeza e do terrível e indizível medo de sobreviver; como um
dezelo íntimo, um ranço tácito, uma cruz que se extravasa na arte como
cicatriz, na poesia como fermento, na criação como um tabule de mixórdia, feito
então - como sequela - uma assustadora levitação lustral. A Poesia é a casca de
banana-caturra no trapézio, a casca de tangerina na linha do horizonte, o
arco-íris marrom, o chute na canela da escurez, a placa de sinalização
estrambólica das erratas de percurso acidentado, o humor irônico dos suicidas,
a própria faca de dois legumes das metáforas barulhadas, e ainda assim e por
isso mesmo, talvez, as iluminuras de desvairados inutensílios com
impropriedades de incompletudes, mais os bulbos paraexistenciais. Quer que eu
explique em braile epidérmico, ou desenhe com carvão orgânico para você
colorir, entre o lápis de cor no liquidificador das ideias e as fugas das
tentativas de abismos da vida como achadouros de cintilâncias?
Lohan:
Numa sociedade onde o sexo tem sido tão banalizado, como um poema que aborde a
nudez, seja ela feminina ou masculina, pode garantir seu devido reconhecimento
e visibilidade? Vale abrir um parênteses: neste ano, comemora-se o centenário
de Nelson Rodrigues e Jorge Amado, ambos autores tão espontâneos em relação a
assuntos relacionados a sexualidade, à nudez. Nelson dizia que "toda nudez
será castigada". Diante do que vivemos hoje, poderíamos dizer que não,
"toda nudez não será mais castigada"? E, ampliando essa questão: como
a arte, em geral, precisa se portar diante desta problemática social?
Claudio
Willer: Chances maiores de ver nudez, nem que seja para
provocar censores idiotas do Facebook, publicamente, enriquecem, tornam-na mais
instigante como tema. Não vejo por que vivermos em uma sociedade mais aberta,
na qual o corpo é menos censurado, seja uma “problemática social”. Como dizia aquele
outro pensador, expansão da nudez, liberação do corpo, pode ser uma
solucionática social.
Silas
Correia: Quem esperma sempre alcança? Zeus ajuda quem cedo
masturba? Do sexo viemos e ao sem nexo voltaremos? Toda nudez será o homem
fazendo poesia para sempre saber que é bicho? A arte coroa o sexo, o sexo
corrói a arte, se não tiver arte pela arte. Do nu viemos e ao nu voltaremos?
Corpo-terra. Banalizamos o efêmero. O sexo é livre, a arte é livre (livro) e a
poesia é o amor do sexo que nos mantém vivos. Ah, o Sexo é o Tao da Poesia, ou
a Poesia é o Tao do Sexo?
Entrevista
com: Antônio Carlos Secchin
Antônio Carlos Secchin
nasceu no Rio de Janeiro. É professortitular de Literatura Brasileira da
Faculdade de Letras da UFRJ e Doutorem Letraspela mesmaUniversidade. Poeta com
seis livrospublicados, destacando-se Todos os ventos (poesiareunida, 2002), que
obteve os prêmios da FundaçãoBiblioteca Nacional, da Academia Brasileirade
Letras e do PEN Clubepara melhor livro do gêneropublicado no país em2002.
Ensaísta, autor de João Cabral; a poesia do menos,ganhador de três
prêmiosnacionais, dentreeles o Sílvio Romero, atribuído pela ABL em1987.
Organizou várias seletas e obras completas de poetas brasileiros, (Castro
Alves, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar). Em 2010,
publicou Memórias de um leitor de poesia. Atualmente é um dos curadores da
reedição da poesia de Carlos Drummond de Andrade, publicada pela Cia.das
Letras. Proferiu mais de quatrocentas palestras em vários estados do país e no
exterior. Foi Professorconvidado das Universidadesde Barcelona, Bordeaux,
Califórnia, Lisboa, Mérida, México, Los Angeles, Nápoles, Paris (Sorbonne),
Rennes e Roma. Autor de centenas de textos(poemas, contos,ensaios) publicados
nosprincipais periódicosliterários brasileiros e internacionais. Sobre sua
obrajá escreveram favoravelmente ensaístas comoBenedito Nunes, José Guilherme
Merquior, Eduardo Portella, Alfredo Bosi, Antônio Houaiss, Sergio Paulo Rouanet
e José Paulo Paes, entre outros. Eleito emjunho de 2004, tornou-se à época o
mais jovem membro da AcademiaBrasileira de Letras.
Lohan:
Grande
garimpador de obras raras, você encontrou o primeiro livro de Cecília Meireles,
“Espectros”, o qual havia sido renegado pelas editoras, certo? Como se deu esse
processo, da pesquisa até a descoberta desta obra tão relevante na história da
literatura brasileira?
Secchin:
Quando fui convidado para organizar a edição de centenário (2001) de Cecília,
julguei que um grande diferencial seria o resgate da primeira obra da autora,
desaparecida há décadas. Montei uma rede nacional e internacional de
colaboradores. E dei sorte, localizando um exemplar, a tempo de incluir
“Espectros” na edição.
a literatura: “o artista maior abre mil
portas, mas as deixa trancadas quando vai embora”. Dirijo esta pergunta
relacionando aos poetas desta competição: como abrir as portas, caro Secchin?
E, melhor: como trancá-las para a eternidade?
Secchin:
Cada um tem de trazer a própria chave: a chave alheia também abre, mas é
enganosa, porque só abre portas que já estavam abertas, e, assim, não oferecem
o risco da tentativa, do erro e da descoberta.
Entrevista
com: Alfredo Fressia
Alfredo Fressia nasceu
em Montevideo (Uruguai) em 1948. Professor de Literatura, se desempenha também
como periodista cultural. É tradutor de poesia brasileira para o espanhol e é
Editor da revista mexicana de poesia “La Outra”. Tem realizado conferências,
seminários, cursos na Universidade de São Paulo, Univ. Autónoma de México,
Marshall, WV, Ohio State University, Fundación para as Letras Mexicanas. Tem
participado de festivais de poesia no Uruguai, Brasil, México, República
Dominicana, Colômbia, Chile, Nicarágua, Argentina, entre outros. Sua obra tem
sido premiada e traduzida em várias línguas. No Brasil, acha-se com facilidade
a antologia bilíngue “Canto desalojado”, na Lumme Editor, São Paulo, 2010.
Lohan:
Olá, Alfredo! É com grande prazer que te recebemos no Autores S/A. Percebe-se
em seus textos, Alfredo, uma ironia latente, que dá o tom a essência marginal
da sua escrita. Sem ironia há poesia, caro Alfredo? E, quanto ao teor marginal,
teria sido (também) influência de alguns fatos ocorridos em sua vida, como, por
exemplo, sua vinda necessária para o Brasil, há 33 anos, uma vez que em
Montevidéu a Ditadura o impedia até mesmo de trabalhar?
Alfredo:
Olá, obrigado, Lohan. Sim, claro que há poesia para além da ironia, o contrário
é que pode se discutir. Inclusive a ironia é perigosa, eu diria, porque
comparte a própria base do discurso poético (um significante, vários
significados). Eu a incorporo às vezes, mas faço com cautela (que é a alquimia
dos poetas). Você fala em teor marginal, eu falaria de periferia, é ali onde
situaria minha poesia. Sim, deve ser efeito da minha vida, daqueles terríveis
anos ´70 na América Latina, é provável. Eu desconfio das hegemonias poéticas. A
poesia gosta das beiras e das beiradas, ela é marginal aos centros, gosta de
olhar para eles a partir da periferia. Eu sei que as grandes edições em lugares
hegemônicos (Barcelona, México, Buenos Aires, no caso da poesia em espanhol)
são importantes, eu vi meus poemas atingirem um público muito grande só quando
foram publicados ali. Mas cuidado, eles tinham sido feitos durante anos e anos
em condições “periféricas”, obra de um exilado, e editados em livrinhos quase
artesanais.
Lohan:
Alfredo, agora farei algumas perguntas dentro de uma única pergunta. Você
também é tradutor. Já traduziu Ferreira Gullar, Drummond, Ana Cristina Cesar,
Cecília Meireles, entre outros. Conte-nos um pouco sobre o processo de tradução
de um poema. Berthold Zilly, tradutor alemão que atualmente encara a tarefa de
verter para o seu idioma “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, diz que
“todo tradutor é melancólico”. O que acha dessa assertiva de Zilly? As famosas
licenças poéticas, bem como as singularidades de cada autor e/ou cultura seriam
os principais entraves no ato da tradução? E quanto à sua experiência de
leitura e tradução de Cecília Meireles, uma das nossas homenageadas da rodada:
por que escolheu traduzi-la? Qual traço da obra de Cecília mais te
impressionou?
Alfredo:
Todo tradutor é melancólico? Só se for por constatar desde o começo que a
batalha está perdida. Lidamos com obras feitas de língua, que só existem nessa
língua, e fracassaremos sempre na tentativa de passá-las para outro público.
Mas cada pequeno triunfo é uma alegria. Eu tenho inveja dos tradutores de
prosa. Eles não têm de lidar com os dispositivos dessa máquina chamada poema, o
nível fônico, a retórica sempre mutante e sempre criadora de significado. Eles
ficam no recadinho denotativo, uma molezinha, né. A Cecília? Sim, tenho muita
admiração por ela. Minha geração não gostava dela, achavam-na uma espécie de simbolista
tardia, de modernista que não chegava aos pés dos outros, homens (percebo que
podia ser um desdém de gênero também). Eu sempre gostei dela, gosto desse lado
inspirado, sem pudor, do seu domínio dos metros portugueses também, e gosto até
da prosa (falo das memórias de viagens, foi onde descobri esse amor dela por
Montevidéu que me resulta tocante).
Lohan:
Caro Alfredo: Clarice Lispector também é uma das nossas homenageadas da rodada.
Se você fosse escrever um poema sobre Clarice, em que particularidade você se
ateria, condizente à escritora? Já traduziu algum texto da autora?
Alfredo:
Já, traduzi o conto “O Ovo e a Galinha”, por enquanto foi só isso. Já escrevi
também sobre ela, mas foi uma crônica a partir de certo diálogo que existiu
entre ela e o Tom Jobim. Falava ali mais da mulher que da escritora. Se fosse
escrever um poema acho que faria a mesma coisa, ficaria com o ser humano que
ela foi, aquele cachorro dela lá no Leme, onde morava, essa língua presa, esse
cigarro sempre na mão, sim, talvez essa mão queimada que ela tinha fosse um bom
disparador para esse poema hipotético.
Lohan:
Pra finalizar, Alfredo, diga-nos: com base em toda sua experiência literária e
crítica, o que um poema deve ter/ser para ser considerado, na sua concepção, um
poema excelente? Deve sobressair a técnica ou a subjetividade do poeta? Como a
loquacidade do poeta pode influir na qualidade da obra?
Alfredo:
Deve ter um mistério, sem o qual não há poema. Mas olha, Lohan, não há
fórmulas, a poesia é lábil como sua matéria, as palavras. Não existe esse
negócio de ser um “arbiter elegantiae”, de aplicar regras e decidir o que é e o
que não é poesia. Eu gosto da ideia do Kant quando diz que a poesia não deve
nem obedecer a regras impostas nem ser livre de toda regra, e ele acrescenta:
cada obra, cada poema deve gerar suas próprias regras e estruturar-se sobre
elas. Ele estava preocupado com as Artes Poéticas, que precedem a obra e impõem
suas regrinhas (colocar isto, evitar aquilo, etc), e nós afinal também. Não há
um “plano piloto” de construção do poema, há o poema, na sua solidão, e por
seus frutos o conhecerás... Não é não, caro Lohan?
Entrevista
com: Marina Colasanti
Marina Colasanti nasceu
em 1937, em Asmara, capital da Eritréia. Residiu em Trípoli, mudou-se para a
Itália, e em 48 transferiu-se para o Brasil. De formação artista plástica,
ingressou no Jornal do Brasil, dando início à sua carreira de jornalista.
Desenvolveu atividades em televisão, editando e apresentando programas
culturais. Foi publicitária. Traduziu importantes autores da literatura universal.
Seu primeiro livro data de 1968. Hoje são mais de 50, de poesia, contos,
crônicas, livros para crianças e jovens, ensaios. Através da literatura retomou
sua atividade de artista plástica, tornando-se sua própria ilustradora. É
detentora de 6 prêmios Jabuti, do Grande Prêmio da Critica da APCA, do Melhor
Livro do Ano da Câmara Brasileira do Livro, do prêmio da Biblioteca Nacional
para poesia, de dois prêmios latino-americanos. Foi terceiro prêmio no Portugal
Telecom. Depois de muitas vezes premiada, tornou-se hors concours da FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infanto-
Juvenil). Traduzida em várias línguas, sua obra é tema de numerosas teses
universitárias. Casada com Affonso Romano de Sant’Anna, tem duas filhas.
Lohan:
Olá, Marina! É um prazer imenso recebê-la em nossos “aposentos virtuais”, aqui
no Autores S/A. Nesta etapa do II Concurso de Poesia Autores S/A, decidimos
homenagear duas grandes escritoras brasileiras: Cecília Meireles e Clarice
Lispector. Marina, é sabido que você foi amiga de Clarice. Como vocês se
conheceram? Conte um pouco para nós como era essa relação entre vocês duas.
Marina:
Conheci Clarice indo a casa dela, levada por um meu amigo, o jornalista Yllen
Kerr, que ia visitá-la. Mais tarde, quando ela foi convidada por Alberto Dines,
então editor do Jornal do Brasil, para colaborar no Caderno B, onde eu era subeditora,
passei a cuidar das colaborações dela, me tornei a ponte entre ela e a editoria.
Quando casei com Affonso (Romano de Sant’Anna), a relação se ampliou, porque
eles tinham uma relação profissional.
Lohan: Marina, você disse, em uma mesa redonda da FLIP do ano de 2005, que “as pessoas reverenciavam Clarice Lispector, todavia, não a amparavam”. Clarice se queixava dessa situação, demonstrando ser uma pessoa carente? A seu modo de ver, como Clarice lidava com a fama inexorável e com a subsequente pressão que lhe imputavam por ser um nome célebre e não se envolver diretamente contra as mazelas sociais e opressões que existiam no Brasil?
Marina:
Clarice não precisava se queixar abertamente, alardear seus sentimentos. Ela os
escrevia. Ela não foi vítima da “fama inexorável”, porque a grande popularidade
de Clarice, inclusive o reconhecimento internacional, só aconteceram depois da
sua morte. Quando viva, ela era, sobretudo, reconhecida no ambiente literário,
que não chega a ser esmagador.
Lohan: Você já abordou temáticas de cunho feminista em suas obras. Vale salientar, aqui, que Clarice Lispector também mergulhava na aura feminina angustiada, vide Laura em “A imitação da rosa” e Ana, no conto “Amor”, como exemplos clássicos. O que te motiva a ter esse posicionamento em favor das causas femininas? Você acredita que o papel da mulher como escritora, hoje, está consolidado no cenário literário brasileiro?
Marina:
O feminismo foi uma atividade política clara, uma revolução social das mais
importantes. Clarice não era feminista. Escrever sobre a mulher, debruçar-se
sobre os sentimentos femininos, ainda que com extrema sensibilidade, não
constitui feminismo. O ponto focal de Clarice nunca foi a política, e sim o
cerne do ser humano. Quanto a mim, fui, durante 18 anos, editora de
comportamento de uma revista feminina de grande tiragem. Isso me levou a
estudar e pesquisar intensamente a condição da mulher, para dar solidez ao que
escrevia. Sem dúvida, a literatura brasileira já não pode prescindir das
mulheres.
Lohan: Sem mais delongas, Marina, o que um poeta tem de ter/ser, na sua concepção, para ser bem sucedido nesta área literária? O que seria imprescindível na feitura de um poema: algum detalhe técnico, alguma expressão de caráter subjetivo, alguma contextualização...? Deixe seu nobre conselho a todos os poetas, por favor.
Marina: Ser bom poeta não significa automaticamente ser bem sucedido na área literária. Há sucessos que não correspondem à estatura do poeta, e vice versa. Ao sucesso está ligado, sim, à qualidade, mas depende também de circunstâncias, gerações, grupos, e, grandemente, política literária. Não tenho nenhum detalhe técnico para oferecer, nem é o meu papel. Que os aspirantes a poetas leiam “Cartas a um jovem poeta”, do Rilke, “O ABC da literatura”, do Pound, e “A sedução da palavra”, de Affonso Romano de Sant’Anna.
Entrevista
com: Flávia Troccoli
Flávia Trocoli é
professora adjunta do Departamento de Ciência da Literatura da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. É Pós-Doutora pelo Departamento de Linguística do
IEL/UNICAMP (2004-2007). Possui Licenciatura em Letras pela Universidade
Estadual de Campinas (1997), mestrado em Teoria e História Literária pela
Universidade Estadual de Campinas (2000) e doutorado em Teoria e História
Literária pela Universidade Estadual de Campinas (2004). Recebeu Bolsa FAPESP
no Mestrado, no Doutorado e no Pós-doutorado. Tem experiência na área de
Letras, com ênfase em Teoria Literária, Literatura Brasileira, Literatura
Comparada e Literatura e Psicanálise. É membro-fundador do Centro de Pesquisas
Outrarte: estudos entre arte e psicanálise, no IEL/UNICAMP.
Lohan:
Você já elaborou algumas pesquisas acerca da escritora Clarice Lispector, uma
das homenageadas desta rodada no concurso de poesia. Conte-nos sobre suas
pesquisas sobre Clarice, o que te motivou a estudá-la, a relação que você
encontra entre ela e Kafka e, por fim, o que mais te encanta na obra desta
autora.
Flávia:
O meu primeiro estudo sobre Clarice Lispector teve como ponto de partida a
aproximação rápida, empreendida por muitos críticos, entre a obra clariciana e
a obra de Lucio Cardoso, e que vincula esses autores ao chamado romance de
análise psicológica. Uma leitura mais atenta de obras dos dois autores me
permitiu ver que para além da aproximação havia diferenças irredutíveis entre
os textos, principalmente no que dizia respeito ao modo de pensar e de estar na
linguagem dos narradores. Em Clarice, embora existam momentos de análise
psicológica, o eixo problemático desloca-se da psicologia para as questões em
torno da potência da linguagem para dar forma ao choque do encontro com o outro
e com a própria linguagem. Foram justamente as questões em torno da linguagem e
da representação artística que me levaram a um segundo momento da minha
pesquisa, aquele que apontou diferenças também significativas entre as obras de
Clarice Lispector e Virginia Woolf. Também em relação a Kafka, acho que minha
leitura pensa o campo da diferença, a mais notável é que, se os narradores e os
personagens claricianos se definem, antes de mais nada, pela angústia, os
personagens kafkianos, paralisados pela vivência obsessiva do mundo
burocratizado, não se angustiam, o que é a causa do horror, horror e angústia
que ficam sempre do lado do leitor de Kafka. O que ainda me encanta em Clarice
Lispector é a forma encontrada para formular impasses, como é o caso do
impasse- Macabéa, irredutível a resolução e que, por isso mesmo, nos força a
pensar e repensar, a trabalhar incansavelmente.
Lohan:
Flávia, se você fosse escrever um poema sobre Clarice, em que você se ateria da
vida e/ou obra da autora? E o que você tem a dizer sobre as diversas
manifestações ''clariceanas'' que circulam pelas redes sociais (Orkut,
Facebook, Twitter, etc.). Até que ponto isso é favorável a imagem de Clarice
nos dias de hoje? Não estaria havendo uma grande boom de pseudo-intelectuais
causando a banalização da obra clariceana?
Flávia:
Não tenho desejo e nem talento para escrever poemas. É evidente que há uma banalização
da obra de Clarice Lispector. Há leitores que transformam o complexo dizer
clariciano em uma mensagem apaziguadora, reduzem-no a um significado
conveniente e esquecem que uma obra de arte é, antes de mais nada, um problema
formal. Por outro lado, há os leitores sérios de Clarice, aqueles que se
dispostos a trabalhar, a ler e a reler os textos, a esmiuçar e a dialogar com
sua fortuna crítica, a teorizar. Esses últimos me interessam.
Entrevista
com: Marcelo Asth
Marcelo Asth tem 24
anos e é poeta, blogueiro, designer, professor de teatro (formado em
licenciatura em Artes Cênicas pela UNIRIO), performer e integrante do Coletivo
de Performance Heróis do Cotidiano. Participou das antologias: “A Polêmica Vida
do Amor” (Ed. Oito&Meio) e “POESIA.COM” (Ed. Multifoco). Foi jurado no I
Concurso LínguA'fiada de Poesias e é o vencedor do I Concurso de Poesia Autores
S/A.
Publica em seus blogs:
O Beliche de Bloba: www.obelichedebloba.blogspot.com.br
O Sótão Vazio: www.osotaovazio.blogspot.com.br
Gerontografia: www.gerontografia.blogspot.com.br.
Lohan:
Olá, Marcelo! Que prazer receber, hoje, como jurado, o grande vencedor do I
Concurso de Poesia Autores S/A. Conte para os leitores e finalistas desta
edição, Marcelo, um pouco sobre sua trajetória no concurso do ano passado. Do
concurso, o que você levará por toda sua vida literária?
Marcelo:
Olá a todos! Agradeço pelo convite de estar aqui, hoje de maneira bem diferente
em relação ao ano passado! Fiz minha inscrição no I Concurso de Poesia Autores
S/A depois de um grande intervalo em participações em concursos. Estava num
período fértil no exercício da minha escrita, produzindo muito, mas também
queria sair um pouco do meu umbigo, estar em contato com a visão dos outros,
analisando como os jurados, poetas e comentaristas poderiam me ajudar a crescer
e como poderiam me influenciar dentro do que eu fazia.
Desta forma, aprendi
muito no concurso. Observando o outro, na tentativa de me entender mais no meio
daquilo tudo, durante o processo de várias etapas, fui modificando a minha
escrita para me aprender.
Os poemas que elaborei
para a minha participação no concurso não são nem de perto os que eu costumo
escrever naturalmente – quando estou na minha e não estou sendo “observado”. Talvez
os do início estivessem mais próximos a uma liberdade artística. Mas no caso do
certame, sendo julgado, analisado e comentado e tendo que caber na “caixinha”
do tema da rodada – fora a pressão da entrega –, fui me burilando para ver
aonde chegava.
Do concurso levo essa
experiência de escuta, o exercício de me adequar a temas e formas – me
colocando em desafio – e o reconhecimento da singularidade da escrita do outro.
Lohan:
Marcelo, com certeza os poetas fariam essa pergunta para você caso te
encontrassem: qual é o grande conselho, ou a melhor estratégia (se é que há),
para ser vitorioso neste certame ou, no mínimo, bem sucedido, desenvolver bem
os poemas cujas temáticas são propostas semanalmente? Você mantinha alguma
estratégia?
Marcelo:
Fora de um concurso a gente escreve o que quer, o que sonha, o que deseja. Já
num concurso, aprendi que, além de escrever para temas que às vezes não parecem
tão férteis ou que não são facilmente dominados por nós, é bom dançar conforme
as regras. Medir numa balança a sua pessoalidade e a encomenda. Não sei se há
estratégia fechada pra vitórias, mas na minha trajetória aqui, tentei ser humilde
comigo mesmo e com o concurso em todas as rodadas, pois pensava: se estou aqui,
me submetendo a julgamentos e críticas, não devo ficar defendendo o que faço e
como escrevo “assim ou assado”. Quem está na chuva tem que querer se encharcar.
Se existem pessoas que foram chamadas pelo blog para exercer o trabalho de
apresentar suas visões, pra mim era óbvio que eu tinha que entrar no jogo do
jogo. Eu escrevia só um poema e ficava trabalhando nele até o momento de enviar
– pois se eu fizesse dez poemas, escolhesse um e fosse mal, não iria me perdoar
de não ter pensado em mandar um dos outros nove... mas esse foi o meu lance.
Descubram agora os de vocês e sigam em frente! Aproveitem. E muita boa sorte!
Esse concurso é muito bem organizado, é gostoso e vale a pena!
Lohan:
Você é tão jovem e já escreve tão bem, assim como também atua, realiza
performances nas ruas, etc. Quais foram as influências artísticas que te
conduziram para este universo e que lhe propiciaram tanta qualidade no que você
faz?
Marcelo:
Eu acho que tá tudo aí, à nossa volta. Seria impossível dizer como me meti na
arte, mas deixei ela se meter em mim com tudo. Então, acho que é uma questão de
abertura e escuta, atenção e permissão. Exercício e trabalho são pontos que não
quero perder nunca na minha vida.
Lohan:
Pra finalizar: o que um poema deve ter/ser para receber a sua nota dez,
Marcelo? O que prevalece em sua concepção: o uso da técnica ou o teor subjetivo
e emocional que o poema emana para o leitor?
Marcelo:
Legal a pergunta frisar: na minha concepção. Pois poesia é a coisa mais livre
do mundo, desde que seguida em versos e nascida de um ato de expressão. Eu,
avaliando um poema, posso variar os quesitos, pois sempre algo pode vir a
surpreender. Prezo pela criatividade, pela originalidade na apresentação de
imagens (que podem estar contidas na simplicidade, desde que feitas com
esmero), ritmo, jogo com as palavras, coesão, potência e, na maioria das vezes,
que não seja muito extenso e verborrágico. Eu aprecio a forma num poema, mas
sei reconhecer quando a liberdade vale ouro – porque às vezes, a liberdade pode
ser utilizada pra mascarar uma falta de profundidade.
Entrevista
com: Nonato Gurgel
Nonato Gurgel é doutor
em Letras (Ciência da Literatura) pela UFRJ e professor de Teoria da Literatura
e de Literatura Portuguesa da UFRRJ. Cursou Mestrado em Estudos da Linguagem,
Especialização em Literatura Brasileira e Graduação em Letras pela UFRN.
Trabalhou como pesquisador da FAPERJ e da EMATER. É autor de “Luvas na
Marginália – escritos sobre a poética de Ana Cristina Cesar” (2012) e “Memórias
de um leitor ao pé da letra” (no prelo). Edita o blog Língua do Pé: http://linguadope.blogspot.com/
Lohan:
Olá, caro Nonato. É com muita satisfação que o recebemos, mais uma vez como
jurado, no Concurso de Poesia Autores S/A. Nonato, como você enxerga a
literatura contemporânea brasileira, diante de tantas mudanças nos hábitos da
leitura e da escrita, bem como da edição dos livros e da divulgação dos trabalhos
pelas diversas mídias disponíveis? Qual é a cara do novo poeta brasileiro? Ele
preza pela técnica, ele remete ao clássico, ou ele possui raízes firmes no
movimento modernista da década de 20/30, quebrando paradigmas a seu modo?
Nonato:
Agradeço pelo convite, Lohan. Parabenizo pelo concurso, cuja continuidade deve
ser celebrada, e pela sugestão da mitologia como um tema repleto de
possibilidades. Parabéns principalmente para os autores classificados. Creio
que a qualidade cresceu. Vamos à pergunta que, na verdade, são três ou quatro.
Quando penso em literatura contemporânea, falo principalmente do que foi
produzido nas letras das últimas décadas do século XX e neste início de
milênio. Na minha visão de leitor, essa produção tem pouco a ver com o que
chamamos, por exemplo, de Literatura no século XIX – o mais literário de todos
os séculos. Naquele contexto, a Literatura era feita basicamente do diálogo com
a própria Literatura – uma arte calcada principalmente nas noções de gênero e
oralidade que sedimentam a cultura clássica. Depois das vanguardas do início do
século XX e de toda arte de ruptura produzida pelo Modernismo, ninguém acredita
mais nisso. O cotidiano do século XX produziu uma sensibilidade maquínica e
virtual onde os conceitos de tempo, espaço e identidade são relidos, alterando
totalmente as concepções artísticas do classicismo. A lição de Walter Benjamin
nos ensina que quando mudam os meios de percepção de uma comunidade,
transformam-se suas formas de fazer arte, de produzir cultura. Ou seja: não dá para
viver no século XXI cercado de mídias, telas, teclas, Iphones e escrever como
se estivesse num campo árcade tocando flauta, ouvindo o vento, sem IPTU para
pagar. Por isso creio que a cara do poeta contemporâneo seja a do sujeito que,
dialogando criticamente com o arquivo de formas que a tradição nos legou,
consegue inscrever a sensibilidade do seu tempo.
Lohan:
Independente do estilo dessa nova geração literária, quero saber, na sua
concepção, o que um poema tem que ter/ser para receber a sua nota 10? Que
técnica é imprescindível, a seu ver? A teoria deve sobrepujar a subjetividade
na produção de um poema?
Nonato:
Teoria é um instrumento contextual e produtivo, mas serve principalmente para
dar aula. A poeta contemporânea Ana Cristina Cesar escreveu que foi salva pela
técnica. Quando pensamos em arte, não há salvação sem técnica. Seja na vida ou
no texto, é preciso o exercício de uma forma. Além da imagem, a forma remete a
sons, noções de sintaxe e de extensão. Os materiais acústicos da forma têm a
ver com ritmos e timbres, dentre outros, demarcando uma voz, um jeito de dizer.
Por isso não curto poeta que não lê ou aprimora esse jeito. Independente de
geração, a nota máxima vai sempre para o autor que acentua a sua voz. E essa
acentuação vocal requer, hoje, um diálogo com diferentes linguagens – verbais e
não-verbais – e um domínio da forma que leva em conta, dentre outros, as noções
de rapidez, visibilidade e fragmentação.